sábado, 18 de novembro de 2006

[ tctp # 0007 ] A TORRE DE BABEL


A linguagem é comum a todos os homens. Não há diferenças de natureza entre as línguas. Há apenas diferenças culturais. Não há línguas "simples" e línguas "complexas". Todas são igualmente simples e complexas. Há já muito tempo que se fez justiça à teoria dos "estádios", que hierarquizava as línguas, do estádio primitivo ao desenvolvimento, em função do grau de civilização dos seus locutores.

Todas as línguas têm em comum certas propriedades e características "universais", que definem, precisamente, a linguagem. Pois o que se visa, através da extraordinária variedade de línguas existentes, é a unidade da linguagem humana, aquilo que a especifica, em relação aos códigos de comunicação não humanos. Aliás, a procura de uma língua original única, o mito da torre de Babel, responsável pela diversidade linguística, a nostalgia do paraíso perdido da língua única, ligam-se, num plano mítico, à procura que hoje se faz dos universais de linguagem, das operações mentais que sustentam o funcionamento de todas as línguas [1].

Todas as línguas possuem uma dupla articulação, em unidades de sentido [palavras ou morfemas] e unidades fónicas [vogais e consoantes]. Todas elas constituem sistemas cujas unidades se definem em relação ao conjunto do sistema organizado pela sua estrutura. O som mantém com o sentido uma relação a que se chama arbitrária [isto é, convencional]. Todas as línguas comportam a redundância [que é um excesso de meios em relação à informação transmitida], a ambiguidade, dissemetrias, irregularidades, todas elas têm a possibilidade de, a partir de um número de signos teoricamente finito, produzir enunciados em número infinito. Todas elas têm um carácter evolutivo perpétuo, cuja suspensão significa a sua morte; todas elas autorizam a invenção, a criatividade, as deslocações de sentido, as figuras de estilo, o jogo. Todas elas estão estruturadas a três níveis: o do som, o do arranjo gramatical, o do sentido. Há, finalmente dois aspectos que parecem ser óbvios: a mensagem linguística é linear [o que permite distingui-la, por exemplo, da mensagem musical, que autoriza a sobreposição de notas; o canto em cânone trata a voz como se fosse um instrumento]; as unidades linguísticas são discretas, ou seja, isoláveis umas das outras [o que, na escrita, é materializado pelo branco]: se o espectro de cores constitui um contínuo cujas fronteiras são arbitrariamente traçadas pela língua, a cadeia falada constitui, pelo contrário, uma sequência de unidades distintas.


[1] Maria Yaguello in Alice no País da Linguagem, Editorial Estampa